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  Memórias, Dinâmicas e Cenários da Pré-história à Época Romana 

aprovado Património Cultural, Instituto Público

Resumo
Projeto científico de estudo das comunidades da pré-história recente a época clássica, na região centro de Portugal

A investigação visa analisar a dinâmica sociocultural da região centro de Portugal, desde a Pré-História até ao Período Clássico, com ênfase nas práticas rituais de deposição e cultos, bem como na compreensão da assimilação de influências externas e interações entre grupos autóctones e alógenos. O projeto contempla ainda um conjunto de ações que visam a investigação e gestão do património cultural, adotando uma abordagem integrada que articula as dimensões científica e comunitária, promovendo a ligação entre as populações atuais e o território, numa perspectiva de gestão cultural sustentável e de valorização do património histórico.

Antecedido pela integração da investigação nos projetos TEMPOAR I, TEMPOAR II, ANTROPE e SIPOSU-MC, e de plena execução circunscrita no projeto MEDICE I, o projeto MEDICE II pretende expandir o polígono de estudo deste último, que se encontrava, no MEDICE I, delimitado ao concelho de Alvaiázere, avançando na mesma problemática para o concelho de Ourém e Tomar. Este alargamento permite aumentar o leque de opções e a potencial informação de relevância para os objetivos estipulados pela equipa de investigação, já pertinentemente vindo a ser aplicado nos projetos de PIPA anteriores.

O projeto contempla um conjunto de ações e uma abordagem científica atual, recorrendo às mais avançadas metodologias e tecnologias de estudo arqueológico.

Essas ações enquadram-se no sistema de DRA - Deteção, Recolha e Análise que suporta toda a organização, planeamento e metodologia dos trabalhos. 

Coordenação 

Parceiros 

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Eventos Associados

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Equipa

Colaboradores

Problemática
resumo

Embora, nos próximos quatro anos, os esforços da pesquisa se concentrem principalmente no concelho de Ourém, é imprescindível que a investigação não seja dissociada dos trabalhos realizados nas últimas décadas na região, particularmente em Alvaiázere (Velho, 2001; 2002; 2003; 2004; Figueiredo, 2004a; 2004b; 2004c; 2005; Figueiredo et al., 2005; 2007; Figueiredo, 2007a; 2007b; 2009; 2010; Figueiredo e Oosterbeek, 2011; Figueiredo, 2012; 2013a; 2013b; 2013c; 2013d; Figueiredo et al., 2013; Figueiredo et al., 2014; Figueiredo, 2017; Figueiredo et al., 2017; Figueiredo et al., 2018; Figueiredo, 2019a; 2019c; Figueiredo, 2019; Figueiredo et al., 2019b; 2020a; 2020b; Peixe et al., 2020; Barbosa et al., 2021; Figueiredo, 2021; Figueiredo et al., 2022), podendo, eventualmente, ser necessário realizar intervenções complementares nesta área.

Reconhecendo que as fronteiras atuais não correspondem necessariamente às fronteiras do passado, um dos objetivos centrais do projeto é identificar e recuperar essas fronteiras socioculturais da pré-história na região, as quais certamente se estendem além dos limites concelhios.

Os projetos anteriores, como o TEMPOAR I e II, SIPOSU-MC e ANTROPE, sublinharam a relevância do estudo da antropização de uma paisagem marcada pela confluência de três grandes unidades geomorfológicas no Alto Médio Tejo (Maciço Antigo ou Hespérico, Bordadura Ocidental e Bacia de Sedimentação do Tejo e do Sado), sendo também um ponto de convergência entre os rios Nabão, Zêzere e Tejo. Esta questão, que descreve comunidades sujeitas a diversas influências, pode fornecer elementos cruciais para entender as adaptações ao ambiente e os grupos locais que, em uma área tão singular, poderão fornecer registros diferenciados, particularmente em relação aos cultos e rituais, e ajudar a explicar as mudanças observadas. Algumas continuidades e descontinuidades nos registros, hábitos e comportamentos foram identificadas pelos pesquisadores, cujos resultados estão documentados não apenas em suas teses de doutorado, mas também em diversas publicações (Cruz, 1997; Oosterbeek, 1997; Lillios, 1989; 1991; 1993; Figueiredo, 2007; Delfino et al., 2019; Figueiredo, 2021). Essas variações têm sido interpretadas como características de diferentes grupos (Oosterbeek, 1997) ou "modas" (Figueiredo, 2007). A hipótese levantada por essa última linha de pesquisa sugere que as "modas" observadas na deposição de materiais em períodos curtos, rapidamente superados por novos itens materiais, podem ser resultado de um intenso comércio, migrações e troca de bens e ideias. Esse fenômeno levaria os grupos a adotar novos objetos em momentos específicos, dando a impressão de grandes cisões, quando, na realidade, essas populações poderiam ser as mesmas. Figueiredo (2007) argumenta que os registros de comportamento simbólico, particularmente os do Calcolítico, são transversais às deposições contemporâneas registradas nos monumentos megalíticos e nas cavidades, um ponto que tem sido reafirmado em publicações mais recentes (Figueiredo, 2019b; 2021).

Além das arquiteturas megalíticas e das tradicionais deposições funerárias em cavidades, a região apresenta outras estruturas atípicas, como o Monumento de Colos (Cruz, 2011; Cruz et al., 2011; 2015) ou a Jogada 5, também conhecida como Pedra Encavalada (Cruz, 2003; 2004; 2016), localizadas em Abrantes, ou o monumento XIII (Figueiredo et al., 2017) e o X de Rego da Murta (Figueiredo, 2007; 2004c; 2021), em Alvaiázere, no Complexo Megalítico de Rego da Murta. Estes elementos indicam que ainda há muito a ser esclarecido sobre a relação desses fenômenos com o megalitismo, os grupos envolvidos e as dinâmicas culturais presentes, especialmente no que tange à criação de novas práticas e à adaptação de influências externas, bem como à continuidade das tradições locais.

Os processos de deposição no Calcolítico parecem ser organizados em fossas, tanto em monumentos megalíticos (Figueiredo, 2007) quanto em cavidades, como exemplificado pela Gruta dos Ossos (Oosterbeek et al., 1988; Oosterbeek, 1993; 1997), onde estruturas pétreas e artefatos foram encontrados. Adicionalmente, observou-se que os sedimentos da Anta II de Rego da Murta, que envolvem as deposições, foram originados de outro local (Figueiredo, 2007; 2021), com diferenças cronológicas superiores a um século entre os restos de indivíduos e as deposições finais. A identificação de outros locais associados a essas práticas continua sendo um campo importante de investigação, com questões ainda a serem respondidas, como a razão para a transladação de depósitos de possíveis antepassados e o significado desses atos. Essas questões são cruciais para confirmar um modelo coerente das práticas observadas na transição do Mesolítico para o Neolítico e da Idade dos Metais. As ocupações observadas nas cavidades também incluem a Idade do Ferro e incursões romanas, como evidenciado no sítio Algar da Água, onde a ocupação se estende desde o final do Mesolítico, incluindo dinâmicas e cultos com enterramentos até a Idade do Bronze, arte filiforme, ocupações como abrigo na Idade do Ferro, e uma deposição votiva de parte de um cervus, além de lareiras do período romano (Figueiredo, 2019a).

A região é essencial para entender as continuidades e descontinuidades que explicam a emergência de novas práticas, cujas raízes são comuns ao território peninsular. No entanto, ao serem analisadas isoladamente e em uma área de confluência, podem fornecer uma compreensão mais detalhada dos momentos-chave e das opções fundamentais que deram origem a essas transformações.

Uma outra questão relevante refere-se à baliza cronológica amplamente aceita pela comunidade científica, que situa a transição entre o Mesolítico e o Bronze Inicial como um período crucial na evolução dos comportamentos humanos, especialmente em termos de subsistência, adaptabilidade e inovação tecnológica. Contudo, essa periodização ainda revela lacunas em relação ao vigor da aculturação, especialmente no que diz respeito a itens simbólicos ou ideológicos, frequentemente de origem claramente exógena.

Embora o projeto PIPA MEDICE 2016-2021 tenha optado por focar nas dinâmicas de relações sociais, por meio de estudos de isótopos de estrôncio, e nas práticas simbólicas, com ênfase na análise de uma cavidade próxima ao Complexo Megalítico de Rego da Murta, a complexidade do local e os desafios impostos pela pandemia impediram uma comparação efetiva entre os registros dos monumentos megalíticos e das cavidades, uma questão que será aprofundada no projeto MEDICE II, atualmente em proposta.

Nosso foco nesta investigação reside em compreender as dinâmicas das práticas observadas, tendo em vista que os critérios de diferenciação entre sítios arqueológicos comumente utilizados — como a presença ou ausência de materiais — nem sempre são eficazes na análise de características endógenas relativas às comunidades locais, nem no entendimento do grau de assimilação exógena de novidades tecnológicas, comportamentais e ideológicas introduzidas por novos grupos. Tais transformações podem ser mais visíveis em práticas resistentes, como crenças cultuais e comportamentos ritualísticos. Por essa razão, nossa investigação se concentrará na análise detalhada dos contextos observados, incorporando estudos de biomarcadores, genéticos e químicos. Este é um campo fundamental para esclarecer questões sobre a presença de grupos autóctones ou alógenos na prática diferenciada do megalitismo versus as grutas. As análises de relações de parentesco entre indivíduos sepultados nas cavidades e os depositados nos monumentos megalíticos adjacentes podem fornecer insights valiosos para essa interpretação.

Portanto, é imperativo dar continuidade aos trabalhos desenvolvidos pela equipe ao longo de 25 anos, bem como fomentar o debate sobre a articulação do megalitismo (considerado um fenômeno europeu) na região do vale do Nabão, particularmente em relação ao Complexo Megalítico de Rego da Murta (Alvaiázere), e sua conexão com as deposições e práticas nas cavidades, assim como com o megalitismo do Vale do Baixo Zêzere (Abrantes) e do Vale do Tejo (Ortiga).

Contexto Arqueológico

Alvaiázere

 

Até há sensivelmente duas décadas, os trabalhos desenvolvidos sobre a ocupação humana no Alto Nabão e na zona de Alvaiázere eram muito escassos, sendo referidas algumas investigações (de carácter geral) baseadas, sobretudo, em prospeções e inventários ao património.

Sobre Alvaiázere, as informações mais antigas chegam-nos das obras corográficas dos séculos XVIII e XIX. Nelas estão, sobretudo referidos, os sítios da serra de Alvaiázere e o mosteiro da Murta, nomeadamente pelo Padre António Carvalho da Costa, onde salienta a antiguidade do povoado que se regista no topo da serra (COSTA, 1708: 86-91, citado por RODRIGUES e GOMES, 2007: 91-96) ou do ainda mosteiro que existiria em S. Pedro do Rego da Murta, este também destacado na obra de Frei Agostinho de Santa Maria e nas Memórias Eclesiásticas do Bispado de Coimbra, de 1721 (RODRIGUES e GOMES, 2007: 203-206).

Somente nos finais do séc. XIX se faz alusão a outros sítios, nomeadamente o sítio romano da Rominha, conhecida como “Algar dos Banhos”, onde se terão também registado vestígios pré-históricos do neolítico, bem como a necrópole medieval da Igreja Velha. Para além destas referências, os estudos de José Leite de Vasconcelos (Vasconcelos, L. 1917 a); Vasconcelos, L. 1917 b), nas suas curtas publicações refere, superficialmente, alguns locais de interesse arqueológico, inseridos em contextos de descrição das suas visitas à região, onde assinala a existência de uma “rude muralha” no topo da serra e vestígios pré-históricos na Ermida de Nossa Senhora dos Covões, junto da Lapa da Nossa Senhora da Memória (VASCONCELLOS, 1917: 147).

Na passagem do século XIX para o século XX destacam-se as obras de Santos Rocha, onde apresenta o achado de um fragmento de lâmina de uma espada ou punhal de bronze realizado pelo historiador local Policarpo Marques Rosa (ROCHA, 1899-1903:135) e de dois machados em bronze, provenientes da Serra dos Carrascos e um outro do local de Penedos Altos (ROCHA, 1904:13). Nesta mesma altura foi realizada a intervenção de Santos Rocha na gruta do Bacelinho, tendo aferido que se tratava de um sítio luso-romano (ROCHA, 1899-1903: 137) e que foi já intervencionada pela nossa equipa (Figueiredo et al, 2013; 2014; 2020).

Supostamente da serra de Alvaiázere ou da Marzugueira, mas sem possuir uma localização precisa, foram também os achados de três espetos articulados de Policarpo Marques Rosa, que em 1924 deram entrada no Museu Etnológico Dr. Leite de Vasconcelos, atualmente guardados no Museu Municipal de Santos Rocha (ROCHA, 1904; 1907).

Após estas aproximações e até aos anos 40, foram muito poucos ou quase inexistentes os estudos desenvolvidos. No entanto, nesta década, apareceram as primeiras preocupações pelo desenvolvimento de um inventário do património arqueológico, ainda que muito escasso, registado mais a sul e onde se evidenciaram os trabalhos de Afonso do Paço e Zbyszewsky (Paço, A. et al. 1941; 1942: 116-119; Paço, A. 1947: 171-187). Posteriormente, os relatórios de Mendes Correia, Veiga Ferreira (Ferreira, O. V., 1958: 231-234) Fernando Almeida (Almeida, F. et al., 1958 a) e b); 1959 a) e b)) e Camarate França, na década 60, que permitiram avançar um pouco mais na compreensão do passado desta região. Contudo, de Alvaiázere, são parcos os apontamentos, fazendo-se pequenas referências na imprensa local de um ou outro sítio arqueológico, referido essencialmente pelo Padre Jacinto Maria Nunes e por António Lourenço.

É no sul do Médio Tejo, que apareceram os primeiros projetos de investigação. Deles, destacam-se as prospeções no Vale do Tejo onde, para além do registo de novas estações, se verificou a presença de centenas de gravuras (Serrão et al. 1972).

Nos anos 70-80, dá-se a criação do Núcleo de Arqueologia do Clube Recreativo Sudoense que contribuiu para o reconhecimento de algumas estações arqueológicas e são inaugurados os primeiros projetos de investigação, desenvolvidos pelo GEPP (Grupo de Estudos para o Paleolítico Português). Na sequência do impulso do GEPP, em 1983 é criado o projeto Sequências culturais e paleoecológicas na transição Pleisto-Holocénica em Portugal – O Centro Litoral, organizado e dirigido por Luíz Oosterbeek, Carlos Martins e Ana Rosa Cruz. Após este período o projeto é reorientado e a partir de 1987 é lançado o projeto de investigação sobre a Neolitização do Vale de Nabão, desenvolvido, até 1993, no âmbito do Instituto Politécnico de Tomar e que se focalizou a sul da região de Alvaiázere.

São sobretudo estes projetos que dão início a uma compilação do património existente e à realização de investigações plurianuais. Por esta mesma altura são apresentados estudos provenientes em redor da região, como um conjunto de monografias ou dissertações, destacando-se a primeira tese de doutoramento, “Competition to Fission: The Cooper to Bronze Age Transition in the Lowlands of West-Central Portugal”, realizada por Katina Lillios e publicada em 1991 (Lillios, K., 1991) tendo como cerne os seus trabalhos na região de Ourém, no Agroal, a monografia da “Gruta do Caldeirão: o Neolítico Antigo”, publicada um ano depois, por João Zilhão (Zilhão, J., 1992), e a tese de doutoramento de Luíz Oosterbeek  “Echoes From The East: The Western Network”, em 1994 (Oosterbeek, L. 1997). Destaca-se ainda a tese de mestrado que em 1995 é defendida por Marie Claire Schaling, na Universidade de Leiden, sob o tema “The Canteirões Cemetery, Neolithic cave burials in the Nabão valley in Central Portugal” (Schaling, M. 1995), e em 1996 a tese de mestrado de Ana Rosa Cruz, sobre o “Vale do Nabão: do Neolítico à Idade do Bronze” (Cruz, A. 1997).

Também, dos anos 90 para a passagem do século, se destacam os trabalhos desenvolvidos M. Aquino (AQUINO, 1986), Luís Luís e Pedro Silva (SILVA e LUÍS, 1992, 1995), Carlos Batata e Filomena Gaspar (BATATA e GASPAR, 1991,1993), Paulo Félix (Félix, 1993; 1999: 63-71), Maria Fátima Moura (MOURA, 1996), Maria do Céu Silva (SILVA, 1996), Paula Marques (MARQUES, 1996, 1999, 2000) e Alexandra Figueiredo (Velho, 2001; 2002; 2003; 2004; Figueiredo, 2004a, b, 2005, 2007a) quer integrados no Núcleo de Arqueologia de Alvaiázere, inseridos dentro da Associação Arqueojovem ou no âmbito de Cursos de Estudos Superiores Especializados em Arqueologia, do Instituto Politécnico de Tomar.

Com a criação do Centro de Pré-história, no Instituto Politécnico de Tomar, traçaram-se as bases para o desenvolvimento de uma base de dados (ARQSOFT) que detinha como objetivo reunir o maior número de dados sobre as estações arqueológicas conhecidas (Pereira, J. A. 1997: 260-276; Cruz, A. 1997: 251-259, Osório, D. 2001), tendo sido reformulada posteriormente para se associar a um Sistema de Informação Geográfica (Figueiredo et al., 2004: 153-188)[1]. Na mesma linha de ideias de registo e investigação arqueológica desenvolve-se, por esta altura, o projeto interdisciplinar TEMPOAR – Território, Povoamento e Mobilidade no Alto Ribatejo I, com versão II, no período plurianual de projetos científicos seguinte, onde foram desenvolvidas as primeiras investigações no Complexo Megalítico de Rego da Murta, Alvaiázere, sob a direção de Alexandra Figueiredo, em 1997 (Velho,2001; 2002; 2003; 2004; Figueiredo, 2004a; 2004b; 2004c; 2005; Figueiredo et al. 2005; 2007).

Ainda dos finais dos anos 90 destaca-se o projeto “O Final da Idade do Bronze e a transição para a Idade do Ferro no Ribatejo Norte” sob coordenação de Paulo Félix (FÉLIX, 1999).

No início do século XXI são de salientar associados ao Instituto Politécnico de Tomar, ao Centro de Pré-História, à Arqueojovem e ao Centro de Estudos Pré-Históricos do Alto Ribatejo, o desenvolvimento de um conjunto de projetos internacionais, sobretudo, relacionados com a arte pré-histórica, com as arquiteturas megalíticas e com as aplicações informáticas à arqueologia (Seglie, 2001; Figueiredo, A. et al., 2005; 2007; 2013).

A par destes projetos, o município de Alvaiázere investe no estudo de uma carta arqueológica, iniciada em 2005, que permitiu a intervenção arqueológica na área 4 do sítio arqueológico da Rominha (Mendes, 2008).

Os posteriores projetos plurianuais, nomeadamente o ANTROPE e o SIPOSU-SM permitiram o desenvolvimento e recolha de novos dados, pelas intervenções no povoado de Castelo da Loureira (Figueiredo et al, 2014) e gruta do Bacelinho (Figueiredo et al, 2013; 2014; 2020), a par com os trabalhos de continuação de interpretação e reconhecimento de novos sítios no Complexo Megalítico de Rego da Murta, que conta hoje com catorze monumentos (Figueiredo 2007a; 2007b; 2009; 2010; Figueiredo e Oosterbeek, 2011; Figueiredo, 2012; 2013a; 2013b; 2013c; 2013d; Figueiredo et al, 2013; Figueiredo, 2017; Figueiredo et al. 2017; Figueiredo, et al. 2018; Figueiredo, 2019a; 2019c; 2021) e que culminou em 2006, na tese de doutoramento "Complexo Megalítico de Rego da Murta. Pré-história Recente no Alto Ribatejo (Vº-IIº milénio a.C.): Problemáticas e Interrogações” à Faculdade de Letras, da Universidade do Porto (Figueiredo, A. 2007a). A par destes trabalhos foram desenvolvidos outros que se prolongam, em termos cronológicos, até à época clássica, onde foram realizados, sob orientação da coordenadora, várias teses de mestrado e pós-graduação em Arqueologia (Santo, R. 2012; Ligas, P. 2012; Pires, N. 2014; Frazão, K. 2017; Santos, D. 2017); Berezowski, W. 2017; Peixe, A. 2018; Barbosa, E. 2018; Silva, G. 2019; Scarpa, L. 2019). Durante este período, dando cumprimento legal à minimização de impactes e aos regulamentos dos trabalhos arqueológicos foram desenvolvidos algumas prospeções, acompanhamentos e sondagens na região por diferentes arqueólogos contratados pelas entidades enquadrantes que realizaram trabalhos públicos ou privados (Caninas, C. et al 2002; Caninas, C. 2003; Monteiro, C. & Figueiredo, A. 2022).

Em 2016, iniciou-se projeto plurianual MEDICE - Memórias, Dinâmicas e Cenários da Pré-história à Época Clássica, tendo como epicentro os trabalhos de escavação e estudo do Algar da Água, localizado na serra de Alvaiázere onde foi registada uma ocupação humana desde a Pré-história até ao período Medieval (Alta Idade Média). Os registos apontam a cavidade como sendo utilizada para enterramentos na pré-história e como abrigo e local de arte rupestre, como testemunham as gravuras detetadas, durante o período da proto-história, já no período clássico se observa um uso essencialmente como abrigo, onde se destaca uma grande fogueira que se prolonga, em diferentes níveis de queima até à Alta Idade Média. Deste período é ainda uma deposição aparentemente votiva de parte dianteira de um cervus (Figueiredo et al, 2013; Figueiredo, 2019b; Peixe et al, 2020; Figueiredo et al. 2020a; 2020b; Barbosa et al, 2021; Figueiredo et al. 2022). Estes trabalhos culminaram na produção do livro “O Sítio Arqueológico Algar da Água” publicado em 2019 (Figueiredo, 2019b). Em 2021 foi publicado uma monografia sobre os dados referentes ao Complexo Megalítico de Rego da Murta, tendo por base uma adaptação da tese de doutoramento (Figueiredo, 2007) integrando as investigações decorrentes após a apresentação da mesma (Figueiredo, 2021).

 

Ourém

O concelho de Ourém localiza-se sensivelmente a sudoeste de Alvaiázere, possuindo parte da sua fronteira com este mesmo concelho.  Continuando o foco no período apontado neste projeto, o estudo arqueológico realizado no concelho resume-se a alguns trabalhos pontuais, sobretudo nas décadas de 80 e 90 do século passado e maioritariamente na região do Agroal (Lillios 1991), conjugando-se e integrando, os estudos da região já inumerados acima para a o concelho de Alvaiázere.

Apesar disso, é notoriamente reconhecido, pela comunidade científica, o enorme potencial arqueológico do concelho, quer pelas suas caraterísticas geológicas, quer pelos resultados obtidas pelos estudos realizados até ao momento.

São atualmente, conhecidos cerca de 54 sítios arqueológicos de cronologia pré-histórica, referenciada entre o Portal do Arqueólogo, a Carta Arqueológica de Ourém (Pereira, J. 2006) e as recentes descobertas do Projeto Pia, realizado em 2023 pela coordenação de Alexandra Figueiredo, Cláudio Monteiro e Adolfo Silveira. A maioria desse locais estão apenas identificados, carecendo de estudo e intervenção arqueológica mais aprofundada, tendo, a maioria, sido descobertos em contextos de obra, através de prospeções ou trabalhos de acompanhamento.  Parte destes locais apresentam vestígios da proto-história e do período romano.

Dos locais com cronologia pré-histórica conhecidos destaca-se a região do Agroal, onde se localizam: o Povoado do Agroal (CNS3410), um povoado da idade do bronze estudado por Katina Lillios (Lillios, K. 1989; Lillios, K. 1991; Lillios, K. 1993; Cruz, A. 1996), com ocupação também medieval, o Abrigo do Agroal (CNS127187) intervencionado pela equipa do projeto “O Paleolítico Superior Português (Maciço Calcário Estremenho e Península de Lisboa)” (Zilhão et al 1987; Oosterbeek, 1994; Cruz, A. 1996), o Buraco do Velho (Zilhão, 1994; Batata, C. 1997; Pereira, J. 2006), e a Lapa dos Furos, tendo esta sido intervencionada em 1982 por Susana Correia (Correia, 1985) e em 1987/88 pela equipa do projeto “As Adaptações Humanas Durante o Plistocénico Superior da Estremadura Portuguesa (100000 a 10000 BP)” (Zilhão, 1994). Fora da região do Agroal, dispersos pelo concelho, pode-se enumerar ainda o sítio do Casal Papagaio (CNS10534), uma cavidade com ocupação do Mesolítico, escavado em 1988 por José Arnaud onde resultaram, essencialmente, vestígios faunísticos e humanos, nomeadamente, um fragmento de crânio e dentes isolados, permitindo datar o local da fase inicial do Mesolítico (Arnaud, J.; Bento, J. 1988; Arnaud, J.; Bento, J. 1990), o sítio de Casais de Abadia (CNS22211) estudado no âmbito de trabalhos de emergência por Jaqueline Pereira, que embora com uma ampla cronologia, apresentou vestígios, nomeadamente, líticos e lâminas em sílex (Pereira, 2006), o local de Cabeço da Maria Candal (CNS1837) da Idade do Bronze, descoberto em 1961, durante a preparação de uma vinha, sendo publicado por Domingos Brandão em 1970 (Brandão, 1970) e estudado em 2012 por Raquel Vilaça, Carlos Bottaini e Ignácio Montero-Ruiz (Vilaça et al, 2012), o sitio da Cabeça Gorda (CNS34899) onde foi realizada uma sondagem em 2010, no âmbito da EIA – Vertente Patrimonial do IC9 Fátima (A1) Ourém (Alburitel) datado através do espólio, do período Neolítico/Calcolítico, com a responsabilidade de Henrique Matias (Andrade, M.; Matias, H. 2010), o lugar de Casas de Baixo (CNS15348) correspondente a uma oficina de talhe do Neocalcolítico e estudado por João Zilhão (Zilhão, 1994), o Castelo de Ourém (CNS17509) onde foram descobertos, durante a realização de sondagens arqueológicas sob a coordenação de Jaqueline Pereira, vestígios de ocupação do Calcolítico e Bronze (Carvalho, A. et al, 2010; Pereira, J. 2006; Pereira. J. 2017).

Para além dos locais referidos, os restantes sítios inventariados ou conhecidos, não apresentam ainda qualquer estudo aprofundado, sendo que, alguns deles evidenciam grande potencial arqueológico, confirmado pelos trabalhos de prospeção, em 2023, no âmbito do projeto PIA, dos quais destacamos a Anta de Zorrague (Zurrague 1 CNS25072 ou também conhecida como Azurraga), a Lapa da Furada (inédito) onde foram descobertos vestígios osteológicos humanos pela equipa do mesmo projeto, o Algar da Malhada de Dentro, também revisitado, confirmando-se a presença de vestígios faunísticos e osteológicos humanos, bem como, tratar-se de uma área de escorrência, apontando as áreas de ocupação para galerias ainda seladas, e ainda, toda a região do Agroal, onde durante os trabalhos de prospeção arqueológica, no âmbito do Projeto PIA, foram descobertos mais de uma dezena de novos locais com cronologia associada à pré e proto-história, cujo resultados, estão explanados no relatório final entregue à DGPC, atual IPPC, estando em prelo a publicação de alguns artigos (Figueiredo et al., em prelo).

Todos os dados observados são reveladores de que muito ainda é necessário investigar na região, pois a carência de informações de pormenor, provenientes de escavações, deixa-nos inúmeras falhas a preencher, sendo crucial, para a salvaguarda do património, o seu reconhecimento e compreensão e um maior investimento pela comunidade científica no estudo desta região.

 

[1] Foi depois reapresentada, em 2018, na esri on-line por Martinho, tendo sido produzidos alguns webmaps (nota-se que estes apresentam erros de localização dos sítios arqueológicos, dispares das localizações definidas na DGPC. Atualmente foi renovada, atendendo aos trabalhos de campo de confirmação dos locais e está disponível em geopackage, com novas introduções, com última atualização realizada em 2023 desenvolvida pelo Centro de Gestão e Reserva de Dados e Bens Arqueológicos (Figueiredo, 2023).

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